quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Sobre os Vampiros de Curitiba

Parte IV


Dragomir Kephas


Vila de Curitiba, comarca do Paraná. Cheguei a essa terra de ninguém faz dois dias e já sequei três corpos. Em São Paulo as coisas estavam bem, mas não sou do tipo que se acomoda. Além disso, o lugar é muito quente, faz mal para a minha pele, que é meu ganha pão. Você se aproximaria de alguém com quase dois metros e cara de defunto, cheio de pústulas e manchas negras na cara? Acredito que não. Pois então, pelos ossos do ofício cá estou e gostei.

Pela manhã algumas ruas cheiram a pão caseiro. Não como pão, mas aprecio o cheiro, assim como aprecio o aroma de um bom café. Esse eu faço questão de deglutir, aos poucos porque me faz muito mal, mas é irresistível. Devo ter herdado esse vício da minha vida anterior, pode ser - não lembro de nada. Só de acordar no meio de uma pilha de cadáveres, dentro de uma cova e polvilhado de cal. Então eu tirei aqueles corpos fardados de cima de mim e saí caminhando, com aquele buraco no estômago, no sentido figurado quero dizer.

As pessoas na rua me olhavam em um misto de aversão e susto, parei na frente de uma vitrine de confeitaria, do peito pra cima eu estava branco de cal, dessa marca para baixo, vermelho de sangue. Então um cheiro me recordou da fome. Olhei novamente para a vitrine repleta de guloseimas e percebi que aquilo não me satisfaria, entendi que o que me afligia era sede, uma sede diferente - mas sede. Continuei caminhando, procurando a fonte daquele cheiro – esqueci de mencionar que era noite. Parei na esquina e vi três garotas com os ombros de fora, mão na cintura e cigarrilha entre os dedos. Da ruiva emanava aquele aroma de canela e fruta cítrica, inebriante. Dei dois passos em sua direção e me detive. Voltei para o beco de onde saí e mergulhei no bebedouro dos cavalos. Agora sim, eu estava completamente ridículo. Tirei a roupa, torci a calça e a camiseta, livre do sangue por conta da gandola. Vesti só essas duas peças e as botas. Lavei melhor o rosto e joguei os cabelos para trás, foi quando eu senti dois orifícios na parte de trás do meu pescoço. Que se dane, melhor que aquilo estava fora de meu alcance.

Voltei para a esquina, só havia duas garotas, por sorte uma delas era a ruiva. Cheguei junto a elas, elogiei os dotes femininos, enalteci o céu noturno e saí dali de braços dados, em direção ao quarto alugado que o cafetão da moça mantinha ali perto.

Que bela mulher, a primeira a gente nunca esquece. Estava eu lá, sendo cavalgado por aquela Valquíria de seios hipnóticos, comecei a sugá-los suavemente e, quando percebi, estava com um cadáver sobre mim. Foi tudo muito rápido, instintivo, não pude controlar.

Saí do quarto apressado deixando um prejuízo triplo pro cafetão: aluguel, mão-de-obra e matéria-prima. Ao menos minha sede estava saciada.

Bem, deixa eu voltar pra Curitiba, onde comecei a conversa. Eu já tinha boas referências com relação ao clima e paisagem do lugar, mas resolvi conferir de perto ao ficar sabendo das notícias de violência e desordem em seus arredores. Um lugar mal freqüentado sempre facilita a camuflagem, ainda mais com tantos comerciantes de passagem pela vila e poucas autoridades para dar conta do recado. O cenário ideal.
Instalei-me em uma residência próxima ao pelourinho, de propriedade de um tal Dom Blasco que, dizem por aí, é dono da metade dos imóveis da região. Só que o granfino está fora da cidade há anos, por isso tratei do aluguel com um de seus empregados, um advogado que parece estar usufruindo bem a ausência do patrão.

Só que nessa história toda há algo me intrigando - o cheiro dessa casa em que estou vivendo. É o meu cheiro, impregnado nas paredes, no assoalho, nas portas e corrimãos. O cheiro rançoso de um morto-vivo, que até hoje eu só havia sentido em minhas roupas e que me esforço para disfarçar com as colônias que trouxe de Paris. Veja, não sou nenhum aristocrata, sequer possuo empregados. Também não me considero um sujeito vaidoso. Ter boa aparência para mim é uma questão de sobrevivência e um aroma agradável faz parte desse ardil. De modo que não posso estar enganado, esse odor desprezível que exa-lo, estava aqui, desde o primeiro dia que adentrei essas portas. É um mistério que pretendo desvendar.

Já ia esquecendo de me apresentar, Dragomir Kephas ao seu dispor.

Um comentário:

  1. Cara, este capítulo ficou muito foda! Gostei de tudo, toda a história. Mas gostei principalmente deste por você ter escrito em 1ª pessoa. O clima da vila está ótimo , sombrio. Pude imaginar perfeitamente, as prostitutas, aquela névoa. Fui andando com o narrador. Este personagem, Dragomir Kephas é forte para caralho. Gostei dos outros capítulos também, toda a saga dos primeiros vampiros. Deles chegando em Paranaguá. Genial! Suas caras horrendas,Nosferatus. Pô, só esta história sua já daria um livro, com as passagens de tempo. Manda brasa man!

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