segunda-feira, 1 de março de 2010

Sobre os Vampiros de Curitiba

Parte VI


A Teia


Vevila, Audra e Muriel chegaram à Curitiba durante uma madrugada, adentraram o casarão por um dos túneis, sem fazer alarde, de modo que na manhã seguinte o espanto entre os empregados foi geral. Vevila, ocultando com um véu negro sua face dez anos atrasada, requisitou à governanta a presença do advogado da família, o doutor Ferdinando Torquato. No mesmo dia o homem apresentou às irmãs veladas, os resultados de sua administração frente aos negócios da família – tudo muito satisfatório.

As irmãs explicaram o episódio do falecimento de seu pai por causas naturais, que justificava seu luto, e o fato de Egil estar estudando no exterior. Além disso, comunicaram que o advogado deveria substituir todos os funcionários que tivessem contato direto com a família Blasco – mantendo a exigência de que os novos viessem todos de outras vilas, preferencialmente de outra comarca.

Devido aos acontecimentos recentes na mata, Muriel apresentava um comportamento muito diferente do seu habitual. Agora ela era uma moça introspectiva e reclusa, uma sombra das irmãs. Essas, por sua vez, tendo assumido a direção do império da família, transformaram-se em máquinas de moer carne – implacáveis e determinadas senhoras do próprio destino.

Costumavam passear por Curitiba, as três, e de sua luxuosa carruagem observavam com interesse o crescimento da vila e consequente valorização de seus imóveis, cada vez mais numerosos. Começaram a caçar nos arredores do centro, buscavam pessoas solitárias - normalmente mascates ou soldados - cujo paradeiro não seria requerido com insistência pelas autoridades locais.

Perceberam que a vila começava a ter olhos demais, por isso, ordenaram o início das escavações do que se tornaria uma rede intrincada de túneis, interligando todas as suas propriedades. Começaram pelos imóveis próximos à igreja da Ordem 3ª de São Francisco das Chagas.

Esses túneis, da mesma maneira que os da mansão Blasco, serviriam para auxiliá-los na caça, fuga e ocultamento de cadáveres. Grande parte das casas da família possuíam porões sem acesso visível, para que os Blasco pudessem transitar por todos os lados, mesmo com os imóveis locados. Na medida do avanço das escavações, os inquilinos eram realocados sob o pretexto de reforma do imóvel. Então o assoalho era removido, o trabalho era realizado e as passagens secretas eram instaladas. Um processo contínuo e demorado, que gerou um grupo altamente especializado de funcionários designado “Teia”. Tinham pleno conhecimento do que faziam, como não poderia deixar de ser para o sucesso e sigilo da operação. A Teia era composta por seguidores dos vampiros, regiamente recompensados por seus serviços, recrutados pelo doutor Ferdinando - o primeiro humano a quem se revelaram os Blasco.

Quem entrava para a Teia era inicialmente convidado, depois submetido a alguns testes e, por fim, à iniciação. Após o juramento de lealdade incondicional o segredo era revelado e, dependendo da reação do sujeito, esse era sumariamente assassinado. Em caso contrário, o novo membro era agraciado com um símbolo, que deveria usar para marcar todos os membros de sua família, dando a eles o salvo conduto entre vampiros.

Os membros da Teia começavam trabalhando nas galerias, depois cresciam em status social e acabavam se tornando pessoas influentes, políticos e empresários. Já no início do século dezenove, as obras da igreja de São Francisco de Paula revelaram acidentalmente a existência de um dos túneis. A Teia providenciou para que as obras fossem interrompidas e a galeria novamente ocultada.

Com o passar das décadas, a projeção da Teia tornou-se tal, que os túneis já faziam parte das obras da prefeitura - como galerias pluviais discretamente adaptadas. A esfera de atribuições dos membros dessa sociedade secreta passou a incluir a administração das empresas do império Blasco, emissão de documentos falsos para ocultar os segredos da família, tráfico de influencia entre autoridades e, por fim, fornecimento de sangue.

Dessa forma, minando os alicerces físicos e morais da vila, os Blasco consolidaram o seu reinado em Curitiba. Criaram um mal talvez ainda mais devastador que sua própria sede de sangue.

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